Embaixo do céu de Angola

Um diario, tentando expressar sensacoes, pensamentos. Sentimentos tentando ser traduzidos. Textos, vida, diário, poesia. Um pouco de mim.

Friday, February 16, 2007

 

Despedida de Angola – Pensamentos aleatórios



















Embarco dia 20 de Fevereiro.

1 Ano fora do Brasil, 6 meses de Angola. Fechamento de um ciclo.
Finalizações completadas, despedidas, saudades.
Uma mistura de tantas emoções e sentimentos, tantas derrotas, experiências e conquistas. Tanto de tudo. Tristeza, alegria, frustração, decepção, descobrimentos.
Como expressar isso tudo em linhas?

Um povo que mesmo diante da miséria e da guerra, não perdeu, não perde a esperança. A vida continua, os sonhos continuam. Talvez falte contestação, indignação por parte dos angolanos diante das disparidades e indiferenças que eles encaram todos os dias. Mas dizem: “É mesmo assim…”

Tantas coisas ainda a serem feitas e melhoradas, em um país que teve seu PIB em 2004 na ordem dos 23 bilhões de dólares!

Aprendi muito nesses 6 meses, muita paciência, lidar com adversidades (como controlar uma sala de aula com alunos que não puderam almoçar ou jantar por falta de água?), aceitação das diferenças culturais que para mim, brasileira, são um absurdo (como lidar com o conhecimento de que suas alunas casadas apanham dos maridos e acham isso normal? Ou que as suas alunas solteiras precisam arrumar “amigo” para lhes pagar as coisas que elas querem e não podem ter? Ou que seus alunos digam que uma mulher só é pouco e que 3 filhos só também é pouco? Ou ouvir de algumas mulheres e homens que deve-se ter 6 ou 7 filhos, pois se alguns morrerem ainda tem os outros?), lidar com a morte de uma forma natural (a morte está presente todos os dias em todas as famílias), lidar com doenças (também presente todos os dias). Como manter a cabeça fria nessas situações? Confesso que no começo sofri, chorei, para mim eram muito intensos os fatos, os novos conhecimentos. Muito “pensar criticamente” a condição das mulheres e as desigualdades de género, que aqui são absolutamente visíveis a quaisquer olhos de fora!

Importante foi a não comparação. Não há como comparar o Brasil, ou os Estados Unidos, ou a Argentina com Angola. Como? Angola passou por 27 anos de guerra civil! Acabou há apenas 4 anos, praticamente todas as infra-estruturas destruídas, a corrupção correndo solta, o dinheiro (muito!) indo apenas para os que tem! Sistema educacional, de saúde colapsados. Falta de pessoal especializado, falta de material, falta de livros! Os livros aqui são absurdamente caros! Um livro que no Brasil custaria 30 ou 40 reais, aqui custa 50 ou 60 DOLARES!!!! No hospital público se não paga a famosa gasosa não é atendido, ou é muito mal atendido.

A felicidade com um simples gesto, com um simples carinho! Como eles ficam felizes, é tão gratificante! Qualquer coisa, um abraço, um sorriso, um lápis! Motivo para um sorriso feliz, para olhos brilhantes. Aprender a apreciar as pequenas coisas, as coisas que nós, na correria do dia a dia não temos tempo, não temos interesse, não pensamos. Como é valorosa ter uma folha branca para escrever! A chuva que enche os baldes de água! O arroz com feijão diário! A criança que chama o seu nome (como ela sabe o meu nome?) ao ver você passear pela vila, e sorri feliz quando você acena. O céu enorme, uma imensidão sem fim, cheio de estrelas. A inocência que ainda existe nas pessoas, apesar da guerra e do sofrimento. O perdão desapercebido, quando eles ficam bravos comigo (porque eu dei uma bronca, dei uma prova, falei coisas que eles não gostaram, não deixei eles pegarem isso ou aquilo), mas no minuto seguinte já estão sorrindo novamente. A curiosidade sobre como é o mundo lá fora, o Brasil, os Estados Unidos.

Mais que tudo aqui em Angola, passei a pensar mais e a questionar mais sobre o Brasil. As diferenças culturais, as misturas, as desigualdades, a violência, o racismo, a corrupção. Os “por quês” e os “comos” que nos perguntamos diariamente, ou quando temos tempo para pensar sobre isso, mas nunca obtemos uma resposta. O Brasil com suas belezas e com suas disparidades. Um desejo e uma vontade de me integrar mais profundamente no que é o Brasil de verdade, de conhecer as caras, de descobri-lo. É como dizem, que as vezes a vida da voltas para percebermos que o nosso lugar seja talvez no ponto de partida. Mas as experiências adquiridas ao longo das voltas que dei e que darei serão, provavelmente, as necessárias para o meu “brasileiramento”.

Finalizo essa etapa, com trecho de uma música cantada pela Ana Carolina e o Seu Jorge:

“Mas tenho ainda muita coisa pra arrumar, promessas que me fiz e que ainda não cumpri, palavras me aguardam o tempo exato pra falar, coisas minhas, talvez você nem queira ouvir… Vou deixar a rua me levar…”

Foi lindo, foi triste, tenho meu coração conectado a Angola, às pessoas que conheci aqui, aos meus alunos e alunas, aos professores e professoras, a Quena e a sua família e aos demais que fizeram parte de tudo o que vivi. Um especial carinho e admiração ao Iwan que fez parte de tudo isso comigo, me apoiou nas horas de aperto e me empurrou para a frente quando eu precisava ser empurrada. Parto já com saudades, sem saber direito que sentimento é esse, uma mistura de perda e de ganhos imensos.


Queria agradecer as pessoas que de longe me apoiaram no caminho, aos que me acompanharam através do blog, ao meu namorado que já passou por isso e sabe exatamente sobre o que eu estou falando e sentindo, e especialmente a minha querida família, a coisa mais especial e importante que tenho nesse mundo.



E-mail: gabileisbalsa@hotmail.com

Monday, February 05, 2007

 

A vida continua a correr…






Aqui tudo calmo novamente. A equipa 2004 se graduou, felicidade, lágrimas, orgulho, satisfação. Foi uma cerimônia bonita, com homenagens, com teatro, com discursos. Uma etapa cumprida, uma longa estrada pela frente.

A equipa de 2005 foi para o estágio, 1 ano de aprendizados, de experiências. Darão aulas, tentarão se integrar na comunidade, realizar micro-projectos, montar clubes (esportes, alfabetização, música, teatro, mulheres). Desafio!

A equipa de 2006 fica, estuda, trabalha, se prepara. Daqui a duas semanas partem para a investigação, que faz parte do 2º período da formação intitulado “Angola – nosso país”. Irão passar uma semana em áreas rurais entrevistando a comunidade local sobre os meios de vida, de sustento, sobre a cultura, sobre as histórias. Entrevistam o Soba (chefe da comunidade), as pessoas do posto de saúde, da escola, da igreja. Aprendizado!

O Iwan irá embora no sábado, após 1 ano de Angola! Novos começos.

Eu irei 2 semanas após ele, tensão, medo, tristeza, sensação misturada, decisões a serem tomadas. Oportunidade de “pensar estando fora do contexto”, necessária para tentar entender melhor tudo o que se passou e planificar o futuro.

Aqui estou finalizando os trabalhos, despedindo das pessoas, aos poucos, me despedindo do lugar, dos “bichinhos do meu quarto” (aranhas, escorpiões, lagartixas e agora 2 lindos ratinhos!!! tão pequenos que até são fofinhos).

Em 6 dias completo 34! O que me reserva o destino neste novo ano que se iniciará para mim?

Escrito em 30 de Janeiro

 

Informação: sobre educação


Sobre Educação

A Declaração Universal do Direitos do Homem diz: “Todos tem o direito a educação.
A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.”
A educação universal parece estar relativamente avançada, mas a meta tem provado ser difícil de atingir.
Ser alfabetizado melhora a vida da pessoa. A alfabetização pode ser um instrumento para alcançar o desenvolvimento – em nível pessoal, familiar e social, assim como também em níveis macro como nacionais, regionais e mundiais.
A falta de alfabetização está fortemente relacionada com a pobreza, tanto em senso económico quanto com uma profundo senso de privação de capacidades. A alfabetização expande as capacidades individuais, familiares e social para acesso a saúde, educação, política, economia e oportunidades culturais e de serviços.
A Alfabetização de mulheres e meninas é de crucial importância para o problema da desigualdade de género.
Jovens que completaram o ensino primário têm metade das possibilidades de contrair o VIH do que aqueles que não têm acesso a educação. A educação primária universal poderia prevenir 700.000 casos de VIH a cada ano, o que representa por volta de 30% das novas infecções nessa faixa etária.
A Unicef estima que 117 milhões de crianças estão fora do sistema de ensino, do qual 62 milhões são meninas. Fora dos países industrializados apenas 76% de todos os meninos e 72% de todas as meninas frequentam a escola primária na idade oficial para isso. As taxas de frequências são ainda mais baixas se considerarmos a África Subsaariana, onde apenas 60% dos meninos e 57% das meninas estão na escola.

 

Citação


“Revelação. Porque tem horas assim na vida da pessoa: uma palavra só, inocente, muda o tudo no mundo”. Luandino Vieira (escritor angolano)

 

Finalmente notícias!







Bom, aqui em Angola tudo tem corrido bem, falta apenas 1 mês para eu ir embora e já estou ficando meio tensa. Existe uma parte de mim que realmente precisa sair e poder analisar as coisas de outro ângulo, uma necessidade de pôr a cabeça no travesseiro e pensar em tudo o que se passou, sem estar inserida no contexto. Aqui é tudo muito intenso, a energia é grande, não consigo pôr as coisas em ordem na cabeça. Outra parte de mim quer ficar, quer fazer algo mais duradouro, quer continuar fazendo parte do contexto. Mas, no fundo acho que ainda não estaria preparada para esse grande passo, que já seria uma decisão de 2/5 anos. Muita coisa tem se passado na minha cabeça, na minha vida e estou realmente me sentindo cansada, um cansaço de muitas experiências ao mesmo tempo, por isso acho realmente que é hora de partir.

O que mais me dói é saber que provavelmente não encontrarei as pessoas que aqui conheci, que fizeram parte tão intensamente da minha vida, que sempre farão parte da minha vida. Muitas pessoas me pedem para não ir, para ficar, para trabalhar aqui. Fico tão triste e sem reação. Quantas coisas por fazer, por descobrir.

Olho para a natureza, os imbundeiros, o mangue, os flamingos, o pôr-do-sol. A brisa do Ramiro! Bênção! As risadas, as conversas, as irritações, as tristezas, as saudades enormes, os aprendizados, as conquistas, as derrotas. Tudo tão especial, tudo tão intenso.

Aqui na EPF a vida corre. 3 Colectivos convivendo juntos. A equipa 2004, fazendo as defesas, contando as conquistas da época do estagia nas comunidades rurais. A equipa 2005, se preparando para o estágio, finalizando as disciplinas, escrevendo os micro-projectos. A equipa 2006, ainda nos estudos, nos trabalhos práticos, sentindo toda essa vibração da equipa que se graduará em 1 semana e da equipa que irá ao estágio. Movimento, energia, trocas de conhecimento.

A equipa que voltou do estágio e trabalhou como professores estagiários nas áreas rurais, alcançou muitas conquistas. Tanto no que diz respeito ao ato de lecionar quanto dentro da comunidade. Construíram latrinas, construíram salas de aula, igreja, fizeram grupos de alfabetização para adultos, escola de esportes. Tiveram impacto nas comunidades onde trabalharam, deixaram coisas concretas. Alguns pretendem voltar para as mesmas áreas para continuarem os seus trabalhos, as suas conquistas.

A vida corre, a vida continua…

Escrito em 20 de Janeiro de 2007

 

Informação: água e saneamento




Água e Saneamento

Estima-se que a água imprópria para consumo e a falta de saneamento e higiene são os responsáveis pela morte anual de mais de 1,5 milhões de crianças menores de 5 anos causada pela diarreia.
Essa trágica estatística assinala para a necessidade mundial de se fazer valer as metas do Milénio comprometidas com água e saneamento. A meta é se diminuir pela metade, até o ano de 2015, a proporção de pessoas sem acesso a água segura para beber e ao saneamento básico.
Ao todo, mais de 1 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável de recursos aperfeiçoados, enquanto 2,6 bilhões não tem saneamento básico.
As facilidades e melhorias no saneamento são necessárias para reduzir as chances das pessoas terem contato direto com as fezes humana, o que causa diversas doenças.
No que diz respeito ao acesso ao progresso, 4 regiões em desenvolvimento – Leste da Ásia e Pacífico, Oriente Médio e Norte da África, Sul da Ásia e América Latina e Caribe – estão no caminho para alcançarem as metas do milénio condizentes a água potável. Mas taxas de progresso referentes a África Subsariana e Central, Europa Ocidental e Estados Independentes mostram que essas regiões não atingirão a meta.
A África Subsariana representa 11% da população mundial, mas quase um terço de toda a população sem acesso a água potável vive lá.
As maiores disparidades em água potável e saneamento básico estão entre as zonas rurais e urbanas. Mundialmente, o acesso a recursos aperfeiçoados de água potável é de 95% nas áreas urbanas e apenas 73% nas áreas rurais. A diferença entre áreas rurais e urbanas no quesito água potável tem sua maior disparidade na África Subsariana, onde 81% das pessoas nas áreas urbanas tem acesso a água potável em comparação a 41% nas áreas rurais.
A diarreia não é a consequência mais comum de padrões pobres de água e saneamento. A pneumonia mata mais de 2 milhões de crianças a cada ano e estudos recentes sugerem que a lavagem de roupa com sabão pode ajudar a reduzir a incidência de pneumonia infantil.
Água não tratada e a falta de saneamento e higiene também estão associados a outras doenças, como vermes, bilharzíase e vermes intestinais.

Sunday, January 07, 2007

 

Imagens de Fim de Ano



















Saturday, January 06, 2007

 

"Desiste Pulá"

Foi uma experiência única. Apesar de já ter vivenciado um pouco de preconceito e indiferença nos Estados Unidos, por ser latina, por estar arrecadando dinheiro nas ruas.

Dia 31 de Dezembro, resolvi participar da "São Silvestre" em Angola, juntamente com mais 7 pessoas da ONG. Sabia que não estava preparada para correr os 15 quilômetros, mas imaginei que haveria uma certa organização em função da corrida.

A corrida começou e já logo no princípio fiquei para trás, e o que aconteceu é que a organização também logo abriu o tráfico. Motos e bicicletas atrás de mim, ao meu lado, na minha frente. Diminui o ritmo, medo de ser atropelada! E algumas outras pessoas também estavam correndo ao meu lado. Mas continuei, vamos terminar essa corrida!

Mas as coisas começaram a se complicar ainda mais, pois chegou um momento que o trânsito era simplesmente o de sempre. Caos total! Carros, motos, pessoas. E eu, na beirada da rua. Também começou a crescer a hostilidade.
-Desiste pulá (branca)!
- Olha a branca! hahaha
-Branca vai morrer!
- O que essa pulá tá fazendo aqui?

Alguém me puxou o cabelo, não vi quem era. As pessoas apontavam, riam, me olhavam com hostilidade, alguns vinham para cima.

Como é estar do outro lado da moeda? Como é sentir na pele toda a revolta, o medo, que milhares de pessoas sentiram ao longo de séculos de opressão? De imposições de uma raça sobre a outra? Como é de repente, você branco, estar jogando o papel do conquistador que oprimiu e que matou milhares e milhares de antepassados, e que de repente se vê sozinho, entre aqueles que foram os oprimidos?

É uma experiência que todos deveriam passar, e que foi nada, nada mesmo, comparado ao que se sofreu e ao que se sujeitou o povo africano nos séculos de conquistas impostas pelos ditos países desenvolvidos. Não sei, dá uma revolta ainda maior, ver o que aconteceu com esses países, com essas pessoas, que tiveram a sua independência em pleno século 20! Que tiveram o seu povo entregue a mais plena miséria, salvo algumas exceções, enquanto os "pulás" enchiam o bolso de dinheiro!

São iuúmeros sentimentos, difícies de definir, de expressar. Mas, são sentimentos que me mostram que há ainda tanto a se fazer, tanto a se conquistar, tanto a se pensar.

Eu tenho conquistado e aprendido tanto mais do que eu pude ensinar aqui em Angola. Eu tenho conhecido e vivenciado tantas coisas mais do que eu poderia imaginar. Angola e os angolanos têm me presenteado com tantos novos valores, novas experiências e aprendizados. E eu? Qual é o meu papel para com eles? Será que consegui também, como um toma lá, dá cá, ensinar algo a eles? Aos meus alunos? Aos meus colegas? Será que sou a única beneficiada?

Não há respostas...

Thursday, December 21, 2006

 
Não posso (…) cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando desta maneira, minha responsabilidade no discurso “cínico” e morno, que fala da impossibilidade de mudar”.
Paulo Freire

 

Solidão

Estou me sentindo tão sozinha e triste estes dias. Todos foram embora! Boas Festas, Natal, Ano Novo. Os estudantes, os professores, todos se foram.

Incrível a sensação de solidão e a sensação de que realmente eles são importantes e queridos, mais do que eu poderia imaginar. E agora? Poderei viver sem meus miúdos?

Muitos talvez não voltem mais, pois irão fazer os Workshops pedagógicos em suas províncias de origem e após já começarão o estágio. Vieram se despedir, agradecer, desejar Boas Festas, pedir para eu não ir embora de Angola, para eu ficar mais. Foi tão compensador! Foi tão triste, emocionante e triste.

Fico por aqui, pensando neles, pensando em como ir embora, em todos os pedidos para que eu fique aqui, não vá para outras terras, outros continentes.

Tantas coisas se passam pela minha cabeça, pensamentos, indecisões, o que fazer, para onde ir. O coração dividido entre as saudades da família, dos amigos, do namorado, e as tantas coisas realizadas e a se realizarem, as tantas coisas descobertas e a descobrir aqui em Angola, aqui na África.

Coração apertado, vontade de chorar, sensação de vazio, solidão. Miúdos venham para a escola logo! A “Professora” Gabriela está com saudades de vocês!

Monday, December 18, 2006

 

Fotos do jantar na casa da Quena - 02 de dez.





 

Fotos "Dia Mundial da Luta contra a Sida" - 1º de Dez.







 

E o tempo passa...

4 Meses já se passaram! Voando… Muitas coisas aconteceram com a minha vida nesses últimos tempos, muitos novos pensamentos, muitos novos aprendizados, novas alegrias, novas tristezas. Muitas saudades também.

Estou na reta final. Faltam apenas 2 meses para eu ir embora de Angola. E, mesmo assim, tanta coisa precisa ser feita, tanta! Educação, saúde, saneamento básico, água potável, democracia. Tantas coisas ainda para serem alcançadas. Quando haverá uma mudança significativa na vida dessas pessoas? Dessas crianças, desses jovens?

Tivemos a visita da Diretora da UNICEF aqui em Angola. Ela é da Nova Zelândia. A ADPP, minha organização, é uma das maiores parceiras da UNICEF aqui em Angola. Ela enfatizou muito a importância da educação para a melhora das condições de saúde da população. Angola é o país com maior mortalidade infantil (nº de crianças que morrem antes de completarem 5 anos) do mundo! Em Angola o número é mais ou menos 185 crianças para cada 1000 nascidos, ou seja, de cada 1000 crianças que nascem, 185 morrem antes dos 5 anos de idade. Por que? Por causa de problemas facilmente tratáveis, como diarreia, má nutrição, fome. Mas, os níveis de educação estão também diretamente relacionados a esse fator. Angola tem um índice de desempenho escolar entre os mais baixos do mundo.

Segundo Aline Pereira (Doutoranda em Economia dos Recursos Humanos - ISCTE –Lisboa), “a baixa escolaridade impacta directamente na qualidade de vida da angolana e da sua família. Quase todas as mulheres que receberam educação secundária e superior ouviram falar de HIV/SIDA (96%), enquanto esta percentagem é menos da metade nas mulheres que não receberam nenhum tipo de educação (45%).
A prevalência da contracepção em Angola é de 6%, estando abaixo da média da África sub-saariana, que por sua vez é a mais baixa do mundo. As mulheres que frequentaram o ensino secundário têm probabilidade dez vezes maior de usarem contraceptivos do que as mulheres que não têm qualquer instrução. Esta tendência mantém para as mulheres casadas e mulheres em união de facto. Nessa categoria, as mulheres com um nível mais elevado de educação têm uma probabilidade 18 vezes maior de usarem métodos de contracepção modernos do que as mulheres que nunca frequentaram o ensino. Esta tendência revela a relação entre os níveis mais elevados de educação e uma taxa de fecundidade reduzida. O deficit educacional gera assim um ciclo vicioso, o elevado índice de gravidez na adolescência (21% para as de 16 anos e 61% para as de 19 anos) e de fecundidade (em média, 7 crianças nascidas vivas por mulher; aos 18 anos um terço das mulheres angolanas já eram mães e aos 20 este percentual sobe para 68%) associado à falta de programas de prevenção afasta as mulheres da escola. A baixa escolaridade contribui para o aumento da taxa de fecundidade.
A saúde das crianças também está relacionada ao nível de escolaridade da mãe: crianças cujas mães possuem educação secundária ou superior são menos vulneráveis do que as crianças cujas mães tiveram acesso a educação; uma criança cuja mãe é iletrada tem uma probabilidade 60% maior de morrer antes de atingir cinco anos de idade.”

Tem sido importante para mim estar participando ativamente na parte educacional da ONG aqui em Angola. A cada dia descubro e vejo como é realmente importante, juntamente com saúde, a educação. São duas áreas estritamente ligadas uma com a outra. Também começou a brotar em mim, a partir desta experiência, a necessidade de saber. Saber mais sobre o mundo, sobre política, economia, tendências mundiais. Tenho lido muito, pesquisado (na medido da possível) muito, e descubro novos interesses a cada novo dia. Mas, o que mais me acrescentou, interessou e provavelmente fará parte do meu futuro, é a luta pelos direitos das mulheres. Ter dado as aulas de “Porta-Voz da Mulher” para o Colectivo 05, começou a delinear e a desembaçar a minha ansiedade na pergunta: “O que fazer depois?”. A pergunta ainda continua sem resposta, mas já começa a tomar novas dimensões. Ainda tenho 4 meses pela frente – 2 meses em Angola, 1 mês na África do Sul para relatórios e organização do que será o meu ultimo mês, em Moçambique. Estou realmente ansiosa para Moçambique, pois irei trabalhar em um projeto diferente chamado “Ajuda as crianças”. Esse projeto é bem completo pois não é direcionado apenas para os pequeninos, mas para as suas famílias e para tudo ao seu redor. Trabalha com meio ambiente, com educação, com projetos de geração de renda, com saúde. Estou realmente empolgada, e com um sentimento de que me apaixonarei perdidamente pelo projeto, não sei, tenho tido essa sensação. Vocês terão notícias.

Bom, daqui a pouco Natal e Ano Novo. A todos muita paz e muita saúde e muita família por perto! Quantas saudades da família! Minha família passou a ter uma importância ainda maior do que antes e a cada dia que passa percebo o valor que eles tem para mim. Mãe, irmãs, pai, sobrinhos, sobrinha, tios, tias, primos, primas e cunhados, amo todos vocês. Um beijo a todos – familiares, amigos, amigas, leitoras e leitores – e até o Ano que vem.

Thursday, December 07, 2006

 

1º de Dezembro - Dia Mundial da luta contra o Sida

Dia 01 de Dezembro é o Dia Mundial do Combate ao Sida – ou Aids no Brasil – e, como não poderia deixar de ser, os estudantes da EPF caíram na estrada com cartazes e músicas para a conscientização e esclarecimentos de dúvidas para a povoação da vila do Ramiro.

No dia anterior, dei uma aula sobre a Sida, os números no mundo e em especial na África Sub-saariana e as suas consequências dentro da comunidade. É claro, também repassei métodos de prevenção e de transmissão. Distribui camisinhas femininas e masculinas entre os alunos (eu arrecadei nos Estados Unidos quando fui fazer o meu teste de HIV) para a ação que ocorreria no dia seguinte. Eles foram responsáveis pela distribuição dessas camisinhas para a comunidade, além de alguns panfletos.

Foi divertido, fomos andando os 4 quilometros que nos separam da vila, cantando músicas sobre a Sida. Alguns motoristas paravam, conversávamos com eles.

As crianças corriam ao nosso lado, curiosas e as mulheres e homens pediam camisinhas e faziam algumas perguntas.

A Sida é um problema crescente na África, principalmente na parte Sub-saariana onde os níveis se elevam a cada dia. Do total de 40 milhões de pessoas infectadas no mundo, 25 milhões se encontram nessa área da África. Além disso, estima-se que a África tenha 12 milhões de órfãos por causa da doença. Essas crianças acabam sendo excluídas da comunidade devido a discriminação e ao medo que as famílias têm por causa da doença.
As mulheres somam um total de 46% dos portadores a nível mundial, mas na África Sub-saariana essa porcentagem é de 57%.

Alguns exemplos de países da África Sub-Saariana com as suas respectivas taxas de prevalência do Sida:
Botsuana (37%), Lesoto (29%), Malawi (14%), Moçambique (12%), Namíbia (21%), Zimbabué (24%), Zâmbia (16%), Suazilândia (39%), África do Sul (21%).

Angola tem uma prevalência de 3,9%, mas essa taxa não é confiável, pois ainda falta um método mais eficaz na coleta de informações. Essa taxa foi obtida através de uma amostra de mulheres grávidas que tiveram acesso a algum posto ou centro de saúde no pré-natal. Estima-se que a taxa gire entre 6 e 10%.

E para mim, o dado mais alarmante é que os jovens (entre 5 aos 24 anos) representam metade de todas as novas infecções, ou seja, uma média de 6.000 novos infectados por dia ou 5 jovens a cada minuto!

É um problema de todos!

 

Um jantar especial

No dia 2 de Dezembro, eu e o Iwan fomos convidados a jantar na casa da Quena, a mulher que mora na vila do Ramiro e que nos vende pilinhas.

Foi muito boa a experiência, tanto culinária quando do ponto de vista de se estar inserido dentro do contexto de uma família angolana típica.

A família veio de Bié, região do Central de Angola, fugindo da guerra. Se instalaram em Viana, nos arredores de Luanda e por causa do trabalho do marido se mudaram para a Vila do Ramiro.

Eles são um casal com 5 filhos, o mais velho 14 anos e o mais novinho 2 aninhos. A Quena tem 33 anos e o Francisco, o marido, tem 36 anos. Ela cuida da casa, dos filhos, faz doces e vende coisinhas (farinha de milho, de mandioca, bebida, leite em pó). Ele é professor, mas só está trabalhando uma vez por semana. “Mas, o que você faz nos outros dias?”, pergunto. Ele responde: “Durmo”. Agora ele está de férias.

Então, basicamente é isso, a Quena trabalha 7 dias por semana, não para um minuto!!! E o marido sentado no sofá, pedindo: “Quena, põe vela no banheiro”, “Quena, essa cerveja está quente”, “Quena, quando é que a comida fica pronto”. Incrível!!!

Ela com a criança amarrada no lombo, cozinhando, correndo de um lado a outro, dando comida para o outro filho, cozinhando, lavando, e o maridão no estilo “Eta, vida boa meu Deus!”

A comida estava um arraso! Comemos quissaca (refogado de folha de mandioca), caxopa (milho branco com feijão – leva carne também mas ela fez estilo vegetariano por minha causa! Fofa!), fungi de bombo com fungi de milho (é uma polenta feita com farinha de mandioca e com farinha de milho). Tomamos gasosas (refrigerante) e cervejinhas.

Os filhotes muito fofos, só estavam o Vinguela e o Luquinha, de 4 e 2 aninhos.

Bom, no final, como era tarde, dormimos lá. A Quena muito feliz com a nossa presença, não deixou que ajudássemos em nada!!! Nem com um dinheiro para ajudar nas despesas. Levei algumas roupas que eu tinha aqui para doar e material de pintura para as crianças.

O único episódio da noite que foi um pouco constrangedor e irritante para mim, foi a Sandra, uma amiga de Quena, que chegou para uma visita e conversa vai, conversa vem, falou: “Quando você for embora de Angola, você tem que deixar todas as suas roupas aqui, só vai com a roupa do corpo.” Fiquei meio sem jeito, meio sem graça, dei uma risada meio amarela e deixei passar. Mas, ela ainda repetiu mais umas duas vezes ao longo da sua estadia na casa da Quena. Na última vez eu perguntei: “E daí? Eu fico sem roupa?” Ela disse: “Ah! Lá você arranja mais”.

Realmente me incomodou. Mas, é comum aqui. Tudo pedem, tudo querem. Sem cerimonias, sem vergonhas. Talvez eu esteja errada, talvez eu devesse dar tudo o que tenho. Não sei, às vezes é difícil. Mas acho que saber falar “não” é importante, até porque muitas vezes eles nem sabem o que estão pedindo. É só pelo fato de estar nas minhas mãos.
Mas a Quena! Uma mulher maravilhosa, um coração de ouro, filhos lindos. Ela está tentando construir uma vendinha para comercializar os produtos. Trabalhadora, lutadora. E nos chama de “meus filhos”.

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